Porto de Paranaguá terá primeira mulher na profissão de prático 05/08/2009 - 09:50

Duzentos anos após a abertura dos portos às nações e a criação da profissão de prático, o Porto de Paranaguá terá, pela primeira vez, uma mulher nessa atividade em suas águas. A auditora-fiscal da Receita Federal, Iara Rucinski, 38 anos, foi aprovada no teste seletivo promovido pela Marinha do Brasil, no ano passado, quando cerca de 2,4 mil pessoas concorreram às 117 vagas em todo o Brasil, sendo 11 para a praticagem de Paranaguá.

O prático é o profissional que orienta o comandante da embarcação para rotas seguras de navegação, nas manobras de entrada ou saída de portos, bem como atracação e desatracação. Nunca houve restrições para o ingresso de mulheres, mas, talvez, por causa das especificidades da profissão, o interesse do público feminino, até então, tenha sido menor.

Atualmente, Iara e outros seis homens estão em treinamento na Paranaguá Pilots Serviços de Praticagem. O trabalho acontece diariamente em horários alternados. É comum, por exemplo, vê-la com seus colegas em plena madrugada, cumprindo um programa que inclui acompanhamento de manobras em rebocadores, bem como o acompanhamento e execução de atracações, desatracações, fundeios e singraduras (navegação em um mesmo rumo), desde as mais simples às mais complexas.

Ela considera natural o fato de ser uma das primeiras práticas do Brasil e a pioneira em Paranaguá. “Alguém tinha que ser a primeira e procuro encarar isso com naturalidade. Antes de querer ser a primeira, independente da colocação, eu queria estar aqui. Acredito que, se não tivesse essa empolgação, não teria conseguido estudar tudo o que foi necessário para chegar onde eu cheguei”, declarou.

Antes de enfrentar os desafios do mar, a catarinense de Porto União, passou por um processo de preparação teórico e prático que a habilitou a concorrer igualmente com os demais candidatos. Tirou as habilitações de mestre e de capitão amador e de marinheiro auxiliar de convés, na Capitania dos Portos do Paraná. Também frequentou o curso de Gerenciamento de Passadiço (área de comando do navio), na Inglaterra, para adquirir experiência tanto no simulador de manobras, quanto na fluência do inglês, exigido nas provas prática e oral. Formada em Engenharia Industrial Elétrica, com ênfase em Telecomunicações, Iara precisou, até mesmo, aprender a nadar.

Segundo Iara, a formação acadêmica a ajudou no momento das provas, porque uma das matérias solicitadas no processo seletivo foi arquitetura naval, que exige conhecimentos em engenharia. “Por não ter formação de náutica, eu busquei novas habilitações, enquanto aguardava a abertura do processo seletivo. Na maior parte da formação, estudei sozinha, mas busquei qualificação também no exterior. Aprendi a nadar e preparei meu condicionamento para as provas físicas, que incluem natação, flutuação e barra. Devemos ter um condicionamento físico para, por exemplo, poder subir seis andares de escadas no interior do navio e as escadas que ficam na parte de fora da embarcação”, declarou.

Treinamento
O programa mínimo do treinamento na praticagem deve ser cumprido entre um e dois anos. Apesar de 11 candidatos terem sido aprovados, atualmente, sete estão em atividade. Em 2010, os demais iniciarão o treinamento. “Se todos cumprirem o treinamento e forem aprovados no exame final aplicado pela Marinha, a praticagem de Paranaguá passará a contar com 24 profissionais. O número de práticos é determinado pela Marinha que leva em conta, entre outras coisas, o número de navios recebidos e a duração das manobras”, disse o diretor presidente da Paranaguá Pilots, Augusto Moniz de Aragão Júnior.

Iara começou sua qualificação em março deste ano e deverá enfrentar mais nove meses de treinamento. “Mesmo cumprindo o programa mínimo, se eu achar que ainda não estou em condições, permanecerei em treinamento até cumprir o prazo e acreditar que posso fazer a prova final. Acredito que um dos desafios é me manter atualizada quanto aos novos equipamentos dos navios e dos rebocadores, além de acompanhar as mudanças meteorológicas que estão acontecendo. A maior dificuldade é me adaptar aos horários de sono. O restante está sendo tranquilo”, revelou.

Seleção
Para ser um profissional de praticagem, o candidato passa por uma prova escrita, deve comprovar sua qualificação com uma série de documentos, certidões e títulos, além de passar por um exame de saúde razoavelmente rigoroso. Depois de aprovado nessa fase, o praticante realiza a avaliação física e a prova no simulador, que são os últimos requisitos para iniciar o estágio de qualificação.

“No concurso da Receita Federal, qualquer pessoa, independente da formação, pode se inscrever e prestar a prova. Por mais que a concorrência tenha sido menor, o processo seletivo para a praticagem deu mais trabalho, porque é uma área bem específica e o nível das pessoas é mais alto”, avaliou.

Bacia Amazônica
A experiência de Iara nesse ramo começou em 2006, quando passou no processo seletivo para atuar como prática na Bacia Amazônica, onde permaneceu em treinamento durante um ano. Antes de concluir o período comprobatório, porém, voltou a Paranaguá para tentar a nova seleção e, mais uma vez, foi aprovada.

“Na Bacia Amazônica, a praticagem é de longa duração, ou seja, o prático tem que ficar na embarcação durante até cinco dias, comer e dormir no navio. Fui pra lá para aprender, adquirir experiência e conhecer a profissão. A minha ideia era ficar em Paranaguá e, por isso, abri mão do treinamento para tentar voltar para onde eu residia há 12 anos e onde estava meu marido, que também é auditor-fiscal da Receita Federal”, contou.

Das sete mulheres aprovadas no processo seletivo de 2008, três são as mesmas que prestaram a prova em 2006 na Bacia Amazônica. Na época, pela primeira vez, mulheres passaram no concurso para prática. Até hoje, porém, nenhuma delas prestou a prova final na Marinha, que habilita o profissional para exercer a função no Brasil.

Projetos
Para conseguir cumprir o programa mínimo de treinamento, Iara precisou se afastar da Receita Federal. Pediu licença, sem vencimentos, por três anos, que pode ser prorrogada por igual período. “Será difícil conciliar as duas atividades. A movimentação de navios em Paranaguá é grande e, por isso, não teria como fazer as duas coisas”, disse Iara, lembrando que a rotina também exige compreensão por parte dos familiares. “Não tenho horário certo para refeições e para dormir. Não tenho feriado e a família precisa entender que nem sempre poderei participar das confraternizações.”

Por enquanto, em função de sua rotina, Iara está deixando para mais tarde alguns projetos pessoais. “Ainda quero ter filhos, mas como tenho um prazo para concluir o treinamento, esse projeto terá que aguardar mais um pouquinho”, comentou. A primeira mulher na atividade de prático em Paranaguá revela, ainda, que não abandonou antigos sonhos. “Quando era criança queria ser pianista. Meu sonho era fazer a Faculdade de Belas Artes e cursar Bacharelado em Piano. Não queria dar aulas, mas sim tocar em orquestras. Tenho planos de retomar os estudos da música, um projeto que não ficou esquecido”.